segunda-feira, 28 de junho de 2010

Não sei muita coisa sobre mim porque raríssimas coisas que me dizem respeito permanecem inalteradas. Quando acho que sei, eu congelo, e me torno rígida, e resisto à fluidez, e atrapalho o fluxo do mar da vida, e quase morro pelo esforço inútil de tentar amarrar as ondas. É quando menos sei que mais evaporo, e me transformo em nuvens de ricas possibilidades que viram a chuva capaz de fertilizar sementes de mudança nas terras áridas da minha ilusória estagnação.

Quando acho que sei, já mudei, mas ainda não sei. Quando acho que sei, já mudei, mas demoro a perceber. Fico lá, agarrada ao que já não é, chorando ou me encantando a partir de emoções que só fazem sentido para o que na maioria das vezes já deixei de ser. É quando menos sei que eu sinto mais. É quando menos sei que eu sei mais. É quando menos sei que eu sou com mais liberdade.

Não sei muita coisa sobre mim e já nem faço tanta questão assim de saber. O que realmente quero é criar espaço para viver a percepção nítida e inédita da beleza disponível de cada instante. Isso, sim, até onde eu pouco sei, é presente. E, quando estou alinhada com o tempo do meu coração, eu sei que é apenas isso, e tudo isso, o que há para ser desembrulhado. Para ser plenamente vivido. Nada mais.

.Ana Jácomo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Coisas da vovó.



















Bibelôs de negros africanos, cachorros tristonhos e outros de boa-sorte, bonequinhas japonesas, elefantes indianos, velinhos lado a lado... Embaixo deles uma toalhinha de crochê, tudo com muito mimo. Passarinhos engaiolados, amarelo, branco e preto, mesclado em plena cantoria. Plantas de diversas espécies no quintal, cabides que foram deixados à esmo no varal.Café preto quentinho.A típica máquina de costura, dedal, amolfadinha de agulhas que refletem o brilho pedindo para serem usadas.Corredor de brincadeiras nostálgicas na infância, cheio de galhos caídos por conta do inverno de agora.Telhas com musgos verdes de veludo,conversas da desistência da arte de outrora.Falta uma cor ai.Água posta e arroz jogado para os pardais.Um passeio na praça que faz entrada com a casa,árvore centenária de galhos retorcidos,folhas e insetos vermelhos.Leitura de um livro de filosofia infantil.Ainda ouço as risadas de quando era uma pequena criança sentada naquela velha amiga.Casa da vovó.

Mariela Oliveira.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O mundo eu pinto das minhas cores...









Sempre me impuseram uma maneira de vida padrão. O que planejar ao longo dos anos, o que estudar ou a maneira que devo me comportar. E eu teimosa que sempre fui, sai de todas essas linhas que me foram tracejadas. Desenhei mundos imaginários, coisas que vi em sonhos ao dormir e ao abrir os olhos para a tal da realidade. Apesar de ter sido muito solitária durante grande parte da vida, principalmente na infância, sempre criava as brincadeiras e os amores.

Agora me vejo na condição de abandonar alguns sonhos, me tornar gente grande como as pessoas todas dizem.Mas confesso que desejo tanto poder pintar os meus próprios caminhos, das cores da melancolia,aquela que a beleza se torna algo triste não por ser triste mas por algo ser absurdamente belo.Pintar meus caminhos daquela cor dos pensamentos de criança surrealista.Que gosta de ver o mundo girar em outra velocidade, controlado como o de um gira-gira.Não que faça girar o centro através de mim, mas que eu gire através do mundo.Quando a minha condição de artista e existência estão machucados tudo se torna cinza, preto e branco e apenas algumas coisas, aquelas que amo ficam em colorido.A sensação de me sentir perdida faz ter esse contraste.Agora, quando meu peito pula de alegria, principalmente nas manhãs de inverno,a luz do Sol que incide nas flores, objetos, queridas pessoas,meus animais de estimação faz com que tudo fique deslumbrante e isso me inspira de uma forma que não há adjetivos para definir.

Mariela Oliveira.

Arte de ser feliz.











Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé! Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça,o pombo parecia pousar no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz [...].

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Maribondos: que sempre me parecem personagens. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar para poder vê-las assim.

.Cecília Meireles

sábado, 19 de junho de 2010












“Estamos condenados à improvisação.Somos como atores, que são colocados num palco sem termos decorado um papel, sem um roteiro definido e sem um “ponto” para nos sussurrar ao ouvido o que devemos dizer ou fazer.Nós mesmos temos de decidir como queremos viver”.

.O mundo de Sofia

terça-feira, 15 de junho de 2010















Tento apoiar minha ansiedade e essa insegurança nas palavras dos outros.Vagando por páginas de escritores, a procura de algo que possa me confortar.Mas ao contrário disso, é a necessidade da minha própria palavra como remédio para a emoção.O novo às vezes assusta, não no sentido de fuga, mas do abandono.Nos tornamos viciados a um tipo de situação, no meu caso o abandono e a reprovação.Tudo passa em minha mente como num filme de drama romântico patético.Só fiquei viciada nisso.Quero largar essa droga de sentimento neurótico de uma vez por todas!

Maldita insegurança.

sábado, 12 de junho de 2010









Não entendo a razão por se ter vivido em um turbilhões de experiências ásperas, quando acontece algo que nos deixa feliz, o medo vêm junto. Uma insegurança bizarra, do que ainda não aconteceu, do que está por vir e trará num pressentimento bom cores mais vibrantes à nossa maçante rotina. Acostumados a enfrentar obstáculos e dias mais frios, a felicidade soa mais como uma afronta, e isso é ridículo. Será que é pelo fato desse sentimento ser tão momentâneo como as nossas tristezas? Mais uma vez não sei.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Quanto mais palavras saem de minha boca
mais me dou conta de que não sou eu que falo
pois o que penso não tem nada a ver
e o que faço já é outro papo
e o que pareço já nem sei contar

.Martha Medeiros.

domingo, 6 de junho de 2010
























Moro entre o dia e o sonho.
Onde cochilam crianças, quentes da correria.
Onde velhos para a noite sentam
e lareiras iluminam e aquecem o lugar.

Moro entre o dia e o sonho.
Onde tocam claros sinos vesperais
e meninas, perdidas da confusão,
descansam à boca do poço.

E uma tília é minha árvore querida;
e todos os verões que nela se calam
movem outra vez os mil galhos,
e acordam de novo entre o dia e o sonho.

.Rainer Maria Rilke

quinta-feira, 3 de junho de 2010










Sinto meu peito congelar.Não estou desesperada gritando aos quatro ventos - Por favor, alguém me tenha ao seu lado!Mas muitas vezes a solidão não me soa tão bem.Quanto mais me sinto só, mais me comprimo, sim, isso parece algo totalmente contraditório.O que me atrai não se atrai e vice-versa.Me sinto aquelas adolescentes tolas que se escondem num mundo platônico e fantasioso.Meu mundo eu pinto com outras cores,vivo mais nos meus sonhos do que na crua realidade.Sabe aquela vontade de chorar sabe-se lá por quê? Vejo minha vida inteira passar dentro da minha mente num instante de segundo. Talvez hoje ela caiba resumida em 60 segundos. Quero voar daqui, mudar de nome, mudar de mim mesma, mas sinto que o meu oxigênio todo foi preso dentro de uma caixa de aço e acrílico. Me sinto como o vento , porém essa condição de carne e osso me impede um pouco de percorrer as correntezas e seus caminhos...

terça-feira, 1 de junho de 2010













Quando a idade decide invadir a minha porta me convidando para um chá, disse a mim mesma – Não tenha medo da felicidade. Decidi ser feliz, estampar um sorriso na face. Porém, me esqueci que pra a gente se sentir realmente assim, não basta mostrar a simpatia do dia. Tudo caminha muito lentamente, mas meus anos passam rápido. Ah, meus 20 e poucos anos! E depois, meus 30,meus 40...Palavras de desejo de comemoração ditas em vão e não com o coração.Começo de um novo ano na vida, cheios de expectativas.Fico pensativa, o que de fato fiz que seja honroso.Giro, numa escada que chega até o céu feita com cipó e mais algumas esperanças.Não existe banco, degraus, ou escadas, sei disso,mas mesmo assim me sinto a girar.Tonta, talvez seguida da sensação de estar lenta e dormente.Pessoas se atraem pelo sorriso da decisão em ser feliz.Mesmo assim, me sinto apenas um curinga no meio a um mundaréu de gente.Um curinga risonho e brincalhão que se preocupa mais com os outros do que consigo mesmo, e volto a me esquecer.No domingo decido ser alegre, na terça fico impaciente e sociopata.Somos assim, uma pessoa só, cheia de sonhos dentro de uma porta sem fim.
Nas entrelinhas dos gestos aparentemente mais tolos, das falas mais desconexas, dos silêncios mais barulhentos, às vezes está escrito com maiúsculas, fonte tamanho 72, em negrito, apenas isso: “Por favor, me ajuda!”.

Acostumados com as evidências, acomodados com as aparências, tantas vezes medrosos, em geral, não conseguimos ler.


.Ana Jácomo